Uma vida pela frente interrompida no final da tarde de
quinta-feira, 5 de março de 2020, data que ficará marcada para os familiares,
vizinhos e amigos de Emanuelle Lemos Simões de Lima, a Manu. A reportagem do
Folha, com exclusividade, esteve na
casa da família entrevistando a mãe, Fernanda Lemos Simões, e o padrasto, Ademir
Camargo Pereira, que foi quem criou a menina desde seus primeiros anos de vida
e era quisto tal qual um pai para ela.
Sob forte emoção, Fernanda, que ainda nem se quer teve
coragem de sair de casa e passar pelo local onde a filha foi alvejada, contou
ao Folha como foi o fatídico dia que jamais sairá de sua memória.
A
tragédia
Era tarde de quinta-feira, Manu estava em casa, havia
acabado de chegar da escola Arthur Villamil de Castro, onde estudava na 8ª
série. Sentou para conversar com a mãe, mencionou que estava com fome e como já
era o horário em que os pães ficavam prontos para serem vendidos na padaria,
pediu dinheiro para sua mãe e se dirigiu até o local. Segundo a família, era
por volta das 18h o momento em que ela pegou a bicicleta e foi até a padaria.
"Não deu nem dois minutos e a vizinha já gritou: 'é tiro'. Quando eu saí para
ver, a bicicleta dela estava no chão e a coleguinha dela já veio dizendo 'tia,
a Manu levou um tiro' (nesse momento Fernanda começa a chorar durante a
entrevista). Ela estava tapada de
sangue, tirei a roupa dela, até achei que o tiro tinha acertado o peito, mas
não, era o sangue da perna. Um dos policiais disse que tinha que esperar a
ambulância, mas não queria que esperasse, pedi a ajuda numa vizinha que tem
carro, mas quando voltei a Polícia já tinha levado ela pro Pronto Socorro, onde
não deixaram eu entrar num primeiro momento, mas me disseram que ela tinha
levado um tiro na perna e estava bem", declarou a mãe da vítima.
Passado um certo tempo, a mãe é autorizada a entrar no
Pronto Socorro, onde encontra a filha acordada, mas perdendo muito sangue. A
menina diz para sua mãe que quer ir embora para casa e pergunta o que estava
acontecendo. A mãe responde que ela levou um tiro e precisa ter calma. Emanuelle
então pede que sua mãe dê a mão para ela e ali as duas ficaram até a mãe ser
informada por uma enfermeira, que a menina teria que ser removida para Pelotas.
"Até questionei, se foi um tiro na perna o porquê levar ela para Pelotas?",
relembrou Fernanda, afirmando que nunca os profissionais que atenderam a menina
falaram da gravidade do caso. Segundo ela, em nenhum momento foi dito para a
família que o tiro havia atingido a artéria femoral da menina.
Durante a entrevista, a família lamentou e manifestou
profunda indignação com a falta de equipamentos na ambulância que conduziu a
menina, onde, conforme testemunhado in
loco pela reportagem, nem se quer adaptadores para tomadas a ambulância
possuía, tendo que conseguir emprestado com um comércio das proximidades os
adaptadores, para que a ambulância pudesse sair do município, enquanto a menina
aguardava o deslocamento sedada, devido a estar muito agitada. A família também
reclamou da ausência de um médico no atendimento da menina enquanto ela estava no PS, tendo em vista que
quem mais permaneceu durante praticamente todo o tempo com Emanuelle foram as
enfermeiras, as quais a família ressaltou que tiveram um
atendimento diferenciado. Entretanto, a família acredita que um médico mais
experiente e especialista para conduzi-la a Pelotas seria o recomendado para tal atendimento.
Manu morreu na chegada à cidade de Bagé. A ambulância
parou às margens da BR 293, houve tentativa de reanimar a menina, entretanto
ela acabou vindo a óbito. Um fato curioso relatado pela família, é de que mesmo
com a confirmação da morte da menina, os profissionais ainda queriam levá-la
para Pelotas, entretanto a mãe dela disse que não teria o porquê levá-la, sendo
que ela já estava morta, momento em que retornaram ao município.
Estudiosa
e prestativa: Manu cuidava do irmão pequeno e da avó que é cega
Segundo a família, a menina gostava estudar, ler e
desenhar. Tudo que iria fazer pedia permissão à sua mãe. Uma das principais atividades
e uma de suas prediletas, era dançar e se divertir com as amigas na área de
casa.
Emanuelle, ainda ajudava a mãe a cuidar a avó, a dona Maria
Elizabete Lemos Simões, de 65 anos, que ficou cega há alguns anos e tinha na
neta uma cuidadora e amiga, que a auxiliava em suas atividades domésticas. Quando
a mãe, que trabalha como doméstica, ia trabalhar, ela também cuidava do seu irmão,
Erivelton Simões Pereira, de 6 anos, que desde a morte da irmã, não quis mais
ir à casa de sua avó, conforme relataram os pais do menino, que chegou no fim
da entrevista e permaneceu durante todo o tempo ao lado da mãe, como se
quisesse consolá-la, mas sem dizer nenhuma palavra.
Questionamentos
Tanto a família, quanto a comunidade se perguntam, de quem
partiu o disparo que atingiu a menina? Se foi da Polícia, ou do criminoso. A
família ainda lamentou o fato da operação ser realizada em um horário em que
muitas crianças estavam na rua.
Por parte da Polícia Civil, as armas dos inspetores
envolvidos foram recolhidas para perícia. Quem está a frente da investigação é
a delegada Daniela Barbosa de Borba.
Quanto a Brigada Militar, foi instaurado um Inquérito
Policial Militar (IPM) a cargo de um servidor de Santana do Livramento. As
armas utilizadas pelos militares que estavam no momento do fato foram
apreendidas para, também, passarem pela perícia.
Família
está sendo importunada
Fernanda e Ademir ainda finalizaram a entrevista revelando
que estão sendo importunados por muitos advogados, que estão procurando os
familiares e se colocando à disposição da família para processar o Estado, podendo
a família de Emanuelle ser beneficiada futuramente por uma indenização, o que a
família não quer. "Se for para melhorar a saúde para que não existam
outras Emanuelles, tudo bem. Mas se for para ganhar dinheiro, não queremos de
maneira alguma, porquê nada vai trazer nossa filha de volta", disse Ademir, concluindo que a família quer permanecer em paz, esperando que o passar dos dias amenize um pouco da dor sentida neste momento.
O Folha se solidariza com a família.
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